Lembro do meu primeiro encanto de luz e sombras

Glenn Ford e Ida Lupino em Escravos da Ambição

Evocando o grande Fellini, em sua expressão “amarcord” (io me ricordo), traduzindo em bom português “eu lembro”, digo hoje de quando, à espera de um tempo de luz contido na ação dramática de um filme, terá sido o mais importante momento de meu fascínio; sobretudo, do meu encantamento pelo então iluminado écran, originando uma das minhas paixões pelo mundo da Sétima Arte. Teria eu, se não me engano, sete anos de idade. E essa foi uma imagem que jamais esqueci…

Sentado na primeira fila das cadeiras de taliscas, no cinema do meu pai, com o fôlego preso e de olhos vidrados na tela, sob um écran em preto & branco e 16 mm que voava sobre minha cabeça, indo espraiar-se na alva tela logo adiante, a expectativa era sobre o instante exato da passagem da lua por detrás da rocha, até enquadrar-se perfeitamente na fresta da pedra furada, enfim, projetando um cone de luz à distância, revelando o ponto exato na colina onde estaria o ouro enterrado havia vários anos pelos Apaches. Tanto eu como o personagem vivido por Glenn Ford (o holandês Jacob Dutch Walz), naquele momento, sentíamo-nos “escravos” de uma mesma ambição: a revelação do grande tesouro!

Não terá sido fácil conter a alegria, juntamente com toda uma molecada que assistia ao faroeste junto comigo, ao partilhar com o personagem Jacob Walz a descoberta do grande mistério. A expectativa daquela sequência narrativa jamais fugiu de minha mente. Talvez por isso tenha buscado durante anos um reencontro com esse tão delirante “milagre cinematográfico”: tempo, espaço e luz!

Doze anos mais tarde àquele encanto, já adulto, tivera a decepção de saber que “Escravos da Ambição” já não mais existia. No primeiro momento, buscando como opção de programação para os cinemas do meu pai, em Santa Rita, junto às companhias distribuidoras de filmes em Recife. Depois, por ter esquecido o título original, fixando-me apenas em lapsos de memórias, que nada, ou quase nada me diziam sobre a existência do filme.

Novamente, busco Fellini: “Cinema é Luz!”

Em agosto de 2006, ironicamente, com a notícia de sua morte em Beverly Hills, nos Estados Unidos, o próprio Glenn Ford me daria uma pista de como encontrar Lust for Gold (ou “Escravos da Ambição”, título recebido no Brasil, sob a triste categoria de Western classe “C”). Isso, dentro de uma extensa filmografia de mais de duzentos filmes realizados pelo ator, considerado um dos verdadeiros ícones da indústria de faroestes do cinema de Hollywood.

O mito da bofetada, que conseguiu sofrer e consagrá-lo junto à tempestuosa Rita Hayworth, no filme “Gilda”, terá sido ainda o seu grande trunfo ao sucesso e preferência dos espectadores de cinema do mundo todo. Outra verdade é que, a exemplo de sua morte, em casa, antes ele encenou um de seus maiores infartos no cinema, vivendo o pai adotivo do famoso Super-Homem (Christopher Reeve), em 1977, que também já se foi desse para um outro plano. Enfim, há algum tempo mais uma vez senti, surpreso, as estilhas de cinema, rebobinando minhas memórias sobre o carinhoso gesto de meu filho Alexandre em presentear-me com uma mera cópia, em DVD, de “Escravos da Ambição”. Melhor dizendo, Lust for Gold. Memórias assim, gente, marcam para sempre toda uma vida…


APC: Vida e obra de seu Patrono

Academia Paraibana de Cinema (APC) – Cadeira 49, Patrono: Escritor Adalberto Barreto (Ocupante: fotógrafo João Carlos Beltrão). Como autor, Adalberto teve um de seus contos transformado no curta-metragem “Uma Aventura Capitalista”, direção Antonio Barreto Neto (Patrono Cad. 18-APC), curta realizado em 16mm, preto e branco. Jornalista, Adalberto presidiu a Associação Paraibana de Imprensa durante dois mandatos, no conturbado ano de 1964. Foi diretor da Rádio Tabajara duas vezes e trabalhou na Sudene.

Depois de quase trinta anos sem publicar livros, lançou “A Cidade dos loucos”, pela editora “Persona”. Nele, estão reunidos 30 contos sobre temas que vão do ruralismo à ficção científica. Adalberto Barreto morreu em 2008.