Um grande “Baile” de época que o cinema soube revelar

Foto: Em O Baile, a postura do oficial nazista no salão de baile, avaliando o casal, é também caricata.

Continuo afiançando que o cinema europeu sempre foi a minha escola. Pelo enfoque de quase pureza humana em suas evocações temáticas, quer sejam essas históricas ou, simplesmente cotidianas, tendo como foco também os personagens que aborda. Até em suas alegorias mais extremas vejo sensibilidade narrativa. Vejo criatividade e Luz!

 Lembro que, fazendo parte do Conselho do Cineclube da Fundação Casa de José Américo, havia algum tempo atrás, como um dos representantes da Academia Paraibana de Cinema, dos três filmes que indiquei para serem exibidos naquele ano, como era de costume, apenas um deles foi selecionado: O Baile de Ettore Scola, com o compromisso de comentá-lo depois, quando na noite de sua exibição. Os outros dois ponderamos em razão de suas metragens longas de mais de duas horas de duração, cada. E que ainda me lembre, um deles foi Moulin Rouge com a bela Nicole Kidman, filme premiado naquele ano com um Oscar de Melhor Direção de Arte, com uma trilha sonora encantadora.

Pois bem, hoje revendo alfarrábios encontro o DVD de O Baile, obra franco-italiana simbólica, sobre Paris ocupada pelo Nazismo, e que, vez mais, reacende minha admiração pelo cinema europeu e pelas produções que retratam suas histórias e épocas.

Antes mesmo de sua exibição naquela noite de quinta-feira, para uma admirável, fiel e curiosa plateia, como era de costume nas sessões do cineclube da FCJA, fiz algumas observações técnicas sobre o filme O Baile de Ettore Scola. Elenquei, então, alguns pontos de sua narrativa diferenciada: O Baile é um filme burlesco. Risível do ponto de vista da atuação de seus personagens. É uma obra para se ver desarmado de preconceitos, mas com uma boa dose de conhecimento cultural, social e político, para que se possa ler nas suas entrelinhas alguns instantes graves da história da França, sobretudo, entre 1935 com vitorioso movimento da Frente Popular (Front Populaire) até 1938, e anos seguintes, passando pela modernidade dos anos 80, das “discotheques”, quando surge a chamada pós-modernidade, culminando com a queda do Muro de Berlim em 1989.

Outro dado simbólico: O Baile inicia com uma ode aos primórdios do próprio cinema. Os tipos são exóticos e nas comunicações entre personagens inexistem falas e diálogos sonoros; prevalece a mímica (ou, “pantomima”, na linguagem cinematográfica), uma característica do cinema “mudo”. Os tipos são mostrados discretamente, como o barman (lembrando a postura do ator inglês Peter Seller) ou, ainda, o garçom lembrando Chaplin em um de seus filmes. O Baile valoriza a mise en scène – existe uma “encenação” marcada de exageros, quase bufão, na postura dos personagens. O exotismo transcende os modos normais de ser, passando do teatral ao caricato, num mundo meramente de esquisitices… 

As vaidades humanas são realçadas também no filme. Sob forte apelo musical de uma Orquestra de Baile(típica da época), a cena se abre no salão de danças ainda vazio, com as mulheres chegando, uma a uma, anunciando-se em gestual inusitado, com manias bem pessoais. Após isso, ao som de Et maintenant, agora as figuras masculinas entram em cena. Cada uma com sua, também, performance. A Câmera ganha vida no filme, passando a ser o principal observador dos vários trejeitos e comportamentos. Um dado: a cena inicial da mulher retocando o rosto e o cabelo muito próximo da lente da câmera, como se fora um espelho de sua vaidade, é bastante sintomática. O filme é cheio de signos visuais e auditivos. Os olhares entre os personagens são expressões que dizem o que querem, sem a necessidade das palavras em si. A época é das liberdades sexuais no Ocidente, mormente na França, entre 1960 e 1970, e vista na cena em que o casal troca de toilette, enquanto dançam. Isso mostrado de forma arguciosa pelo recurso gramatical da elipse, estando presente na narrativa do filme e sendo através dela que as mudanças de época acontecem no ambiente do mesmo salão de baile, nas músicas e vestimentas dos personagens. Tudo traduzindo uma Paris ocupada pelo nazismo. Um belo filme que recomendo.


AruandaFest será agora em dezembro

A Academia Paraibana de Cinema (APC) se congratula mais uma vez com a organização do Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro, que tem na sua direção um de seus acadêmicos, o professor Lúcio Vilar, cadeira 24 da APC, cujo Patrono é o cinéfilo Rodrigo Rocha.

O certame, que acontecerá de 9 a 15 de dezembro, em João Pessoa, tem como locais de sua realização uma das salas de cinema do Manaíra Shopping, no Espaço Cultural Zé Lins do Rego, também em modo virtual. Na semana passada foram indicados oito curtas-metragens paraibanos – um animação, outro documentário e seis audiovisuais de ficção.